terça-feira, 1 de novembro de 2011

A Rosa Azul




























Era uma vez um sultão que tinha uma filha única e ele a amava muito. Era uma donzela belíssima, inteligente, bem-educada e charmosa. Ainda assim o sultão não deixava de lamentar aquilo que ele considerava o grande defeito da filha: a forte personalidade que muitas vezes se transforma em teimosia.

Quando ela finalmente atingiu certa idade, o sultão, que não deixava de sonhar com seus sucessores, concluiu que já era tempo dela se casar. Mas conhecendo o temperamento da filha, tentou ser sutil e sugeriu uma vez... Duas vezes... Três vezes... E mais outras tantas. A princesa, que nem pensava em casamento ainda, foi se irritando com aquela insistência, se irritando, se irritando até que sem motivo algum estourou:

- Papai, eu jamais me casarei!

Era um pouco demais e o sultão agora insistia incisivamente e os dois já não suportavam um ao outro. Até que certo dia a princesa, diante da insistência do pai, cheia de charme, respondeu:

- Papai, eu sou mesmo uma princesa, não sou?

- Claro, minha filha.

- E mereço o que há de melhor, não mereço?

- Claro, minha filha.

- Pois papai, eu decidi que tudo bem, eu irei me casar. - O sultão surpreendido e maravilhado se animou todo. – E o meu marido tem de ser o melhor marido possível, não é papai?

- Claro, claro! O melhor!

- Pois, ele deve ser capaz de me oferecer o maior dos dotes! Aquilo que o meu coração mais deseja.


- Claro, filha!


- Então, eu só me casarei com aquele que me trouxer esse presente e nenhum outro será digno. Promete, papai?

- Prometo filha, prometo – Disse o sultão exultante, ansioso por ouvir da sua filha a promessa de que casaria e já vendo a sala do trono cheia de netinhos, concordava com tudo – Mandarei publicar um decreto real hoje mesmo com a sua decisão, minha filha.

- Promessa de sultão?


- Promessa de sultão. E qual é esse presente? Jóias? Um palácio? Vestidos? Um animal exótico?

- Não, papai. Eu quero algo simples, uma flor.


- Uma flor? Mas que ótimo, minha filha, que...


- Uma rosa azul! Eu só me casarei com aquele que me trouxer uma rosa azul! – E ela se ergueu e saiu da sala cheia de graça e determinação – E lembre-se, você prometeu!

O sultão ficou ali pasmado. Quem teria uma rosa azul no mundo, se existisse tal coisa. Aquilo era um absurdo! Mas palavra de sultão é palavra de sultão e naquela mesma tarde mandou publicar, consolado por uma pontinha de esperança, o decreto oferecendo a mão da princesa para aquele que trouxesse uma rosa azul.

Pois havia um jovem nobre, que tendo conhecido a princesa em uma festa na corte, havia se apaixonado perdidamente por ela. Quando aquele decreto foi publicado ele imediatamente encheu-se de esperança e ansiedade. Mas constatando que não existia uma rosa azul em nenhum dos seus jardins, ele chamou seus conselheiros e disse:


- O sultão não publicaria um decreto destes sem pé nem cabeça. Certamente que é uma forma de testar os nossos recursos! Pois, vão até as minas e não descansem até que a mais perfeita safira seja encontrada!

Dito e feito e após alguns dias retornaram com uma safira perfeita. Ele chamou os melhores joalheiros do reino e disse-lhes:


- Façam agora a jóia mais perfeita do mundo! E que ela tenha a forma de uma rosa.

E algumas semanas depois os joalheiros retornaram e entregaram um pequeno bauzinho para o príncipe. Ele abriu a caixa e lá dentro viu um broche magnífico, em forma de uma rosa com pétalas azuis. Confiante foi até o palácio do sultão e se fez anunciar.

O sultão curioso em conhecer uma rosa azul, atendeu o príncipe que lhe entregou o bauzinho. Ao abri-lo, o sultão se maravilhou e sem dizer uma palavra, correu até os aposentos da filha.

- Filha, filha! Que maravilha! Que idéia esplêndida que foi essa da rosa azul! Pois, eis que agora temos a jóia mais bela que existe! E você terá um ótimo marido, sem dúvida.

A princesa, que acreditava ter sepultado de vez aquela história de casamento com a idéia da rosa azul, foi ver o que o pai queria, toda receosa. Mas assim que viu o broche, devolveu-o com o maior desprezo.

- Ora, papai! Pois eu peço uma rosa azul e você me traz isto? Sinta o perfume dela, você pode? Onde já se viu rosa sem perfume? E suas pétalas! São frias e duras! Que absurdo. Como jóia esse broche é a mais rica jóia do mundo; mas como rosa, é a mais pobre de todas. Certamente o meu amor não será conquistado por algo tão pobre. Vá-se daqui e só volte com a minha rosa azul.

O sultão engoliu a raiva e o desapontamento e despachou o pobre príncipe.

Havia um artesão muito talentoso, o mais talentoso de todo o mundo. Era rico e cheio de sucesso, porém ambicionava muito mais. Quando soube do decreto real pensou consigo mesmo: “Ora, terá ficado senil o sultão? Sei bem que não existe uma rosa azul. Mas bem que poderia existir, pois seria tão bom casar-me com a princesa e fazer parte da nobreza. Certamente que há de haver algum truque neste decreto.”


E ele pensou, pensou, pensou, até que se trancou na sua oficina, passando ali dias seguidos a criar. Seus ajudantes já estavam preocupados quando ele abriu as portas segurando um lindo vaso de cristal.

- Eis a rosa azul! Agora a minha vida vai mudar!

- Mas mestre, é um belo vaso, mas onde está a rosa azul.

E em resposta ele ergueu o vaso até a janela, deixando que os raios de luz incidissem sobre ele. Imediatamente a luz, refletindo-se sobre os diferentes cristais, em cores e formas, criou uma imagem de uma bela rosa azul dentro do vaso. E confiante foi até o palácio.


O sultão o recebeu cético, mas ao ver a o vaso sob a luz do sol, correu maravilhado.

- Filha, filha! Perdoa-me, mas só posso dizer o quanto você está certa! Olhe que bela maravilha foi-te oferecida desta vez e prepare-se para casar!

A princesa olhou aquele vaso. Moveu-o de um lado para o outro, da luz para as sombras, e o devolveu para o sultão.


- Bem engenhoso.

- Mas...


- Ora, papai, eu preciso me explicar? Eu peço uma rosa azul e você se satisfaz com um mero simulacro? Pois a rosa azul é ainda mais bela, quando é noite e me preparo para dormir! Já esta daí, simplesmente deixar de existir! Vá embora e leve esse vaso daqui!

O sultão mandou o artesão embora pensando: “Nem a riqueza, nem o talento faz existir uma rosa azul para ela, o que será capaz de conseguir tal feito?”.


Um ladrão deu de cara com decreto. Imaginou todas as riquezas do sultão e ficou todo obcecado. Procurou de lado a lado uma rosa azul, apenas para descobrir que não conseguia achá-la. Mas esse tipo de gente se torna cheia de recursos quando decidida a realizar algo e saiu em uma busca, atrás de quem soubesse de uma rosa azul. Acabou encontrando uma velha eremita, que residia em uma montanha, e diziam ser muito sábia. Mas atente-se, ele não perguntava onde achar uma rosa azul, mas sim:


- Como consigo uma rosa azul?


Quando a velha ouviu tal pergunta desatou a gargalhar.

- Ora, nada mais fácil, seu tolo!

- Fácil?

- Você sabe onde tem uma roseira?

- Claro, meu vizinho tem uma. Basta eu ir até o muro.

- De rosas brancas?


- Basta pular o muro...

- Pois bem... – E a velha contou-lhe como poderia conseguir uma rosa azul. E ele retornou para casa, rindo-se a valer enquanto pensava em todo trabalho que teve quando era algo tão simples.

Quando chegou na cidade passou na tinturaria e comprou um frasco de tinta azul. Foi até a casa e na hora que o vizinho não estava, saltou o muro e escolheu a mais vistosa rosa branca. Colocou um pouco de água em um vidro, toda a tinta e a rosa. E foi dormir sonhando com toda a riqueza que teria.

No dia seguinte, saltou da cama e viu a rosa, agora, com pétalas azuis. Colocou a sua melhor roupa (que era a outra roupa que tinha) e foi até o palácio. Após muito insistir foi admitido até o sultão, que o recebeu todo “animado”:

- Pois não? O que é?

E o ladrão mostrou-lhe a rosa azul. O sultão olhou, viu que era um desclassificado, completamente indigno. Mas, olhando a rosa azul, deu com os ombros.

- Que seja.

Foi até a filha e deu-lhe a rosa azul:

- Afinal, achou um marido.

A princesa intrigada pegou aquela rosa e a cheirou. Torceu o nariz e voltou-se para o pai:

- Quero crer que somente por querer me ver tão desesperadamente casada que se deixou enganar por um truque tão vil e simples! - E esmagou algumas pétalas, que deixaram marcas na sua mão – É uma rosa branca, escamoteada de azul!

O sultão, já sem paciência, descontou toda a raiva no pobre do ladrão. E daquele dia em diante, desistiu de insistir com a filha, que pôde, finalmente, desfrutar em paz o resultado do estratagema que utilizara.

Mais dias, menos dias – A princesa estava no balcão do quarto, observando o jardim, quando ouviu uma música muito bela. Maravilhada, ela procurou a origem daquela música e viu, andando no jardim, um bardo tocando, enquanto andava despreocupado. Quando percebeu, ela mesma estava acompanhando aquela música. O bardo, ao ouvir aquele acompanhamento, dirigiu-se até o balcão e, sem parar a música, subiu até lá no alto. Os dois juntos agora cantavam, os olhos cintilantes e, no ritmo da música, ambos sabiam: haviam se apaixonado.

Quando a música terminou, a princesa perguntou:

- Quer se casar comigo?

- Claro! – Ele respondeu. – Onde está o seu pai para que eu possa falar com ele?


- Há porém um pequeno problema. – E ela contou-lhe a história do decreto real, temerosa, pois sabia que palavra de sultão era palavra de sultão e agora a sua teimosia podia custar-lhe caro. Mas ele riu jovialmente. – Mas como? Eu preocupada e você a rir? Não teme jamais achar a rosa azul e jamais casar-se comigo? É assim tão pueril?

- Ah, não! É tão simples! Amanhã trarei a rosa azul. Preste atenção e me espere.

No dia seguinte o bardo entrou pelo castelo, carregando uma rosa... cor de rosa. Fez-se receber pelo sultão e disse:

- Venho aqui casar-me com a princesa e eis a rosa azul. – E entregou a rosa rosa, para o sultão que, surpreso, chegou a esfregar os olhos para ver se enxergava bem.

- Essa rosa é rosa! Ficou doido?

- É uma rosa azul. A única do mundo, eu te garanto. Contaria para você todas as aventuras que passei para consegui-la, mas prefiro guardar tal conto para o dia do casamento.

O sogro, cansado, irritado e temendo ser escorraçado novamente pela filha, voltou-se:


- Pois bem, pois bem. Essa é uma rosa azul e só eu que não percebo isso. Pois vou lhe trazer alguém que vai poder-lhe dizer exatamente o que é uma rosa azul.


E mandou chamar a filha, que compareceu rapidamente.

- Filha, filha. Esse moço jura que me trouxe uma rosa azul. Eu tenho certeza de que não é uma rosa azul, mas deixo para você o prazer de explicar-lhe o que verdadeiramente é uma rosa azul. – E dizendo isso apontou para o bardo que segurava a rosa sorridente.

- Ora papai – A princesa disse e, diante da corte surpresa, tomou a rosa na mão e a cheirou – É a mais bela rosa azul que já vi.


E deveras, no banquete de casamento, o bardo contou a história das mil peripécias que viveu para conseguir a única rosa azul do mundo.


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